A Fundação Vale tem o prazer de apresentar a exposição Ficções, da artista plástica Regina Silveira, com curadoria de Adolfo Montejo.
Esta exposição é composta por três intervenções específicas – Mirante, Entrecéu e Mil e Um Dias -, que foram concebidas especialmente para ocupar diferentes espaços do Galpão do Museu Vale. Na Sala de Exposições Temporárias, no segundo andar da sede do Museu, a artista apresenta seis maquetes, espécies de poemas-objeto, mostrando diversos cenários onde o seu trabalho se insere. Através de uma poética muito particular Regina Silveira vem fazendo intervenções em espaços arquitetônicos do mundo, registrando seu pensamento artístico e transformando nossa visão de universo.
Com uma carreira sólida e consistente, a artista tem uma vasta experiência na área de educação, permitindo-se com generosidade, compartilhar o seu conhecimento e experiência com muitos jovens. Regina Silveira é sem duvida uma artista iluminada e que neste momento vem nos oferecer experiências que ultrapassam a dimensão física, nos colocando num plano de percepção, onde tecnologia e realidade se confundem. Temos aqui um trabalho que se completa com a escala portuária do Museu Vale, criando uma nova maneira de perceber a arquitetura do prédio, onde os limites e a imaginação são, a todo o tempo, questionados.
A Fundação Vale se sente honrada em poder proporcionar esta experiência estética através da obra de Regina Silveira, reafirmando seu compromisso de formação de público com foco na educação infanto-juvenil, divulgando e proporcionando o acesso de todos à cultura e à informação, valores muito importantes para a Vale .
Olinta Cardoso
Regina Silveira
Biografia
Nascida em 1939, no Rio Grande do Sul, onde se formou, Regina Silveira iniciara-se nos anos de 1960 como pintora, desenhista e gravadora, demonstrando empatia com a figuratividade expressionista, uma tendência de fortes raízes no modernismo do país. Essa propensão não demoraria a alterar-se sob influências abstradas informais e por uma mudança de ordem mais radical em fins do decênio, quando foi desperta na Europa para as possibilidades de espaços elaborados por formas geométricas. Conseqüências diretas da absorção racionalista fizeram-se logo perceber em relevos e objetos que construiu com materiais industriais.
Perfil da artista
Regina Silveira, uma das artistas mais internacionais do Brasil, desenvolve, há mais de uma década, um trabalho que vincula cada vez mais arquitetura, espaço público, entorno urbano com a sua característica reflexão sobre a imagem, seus códigos de representação, em um leque amplo de opções estéticas, que permite o acesso de diferentes tipos de públicos culturais pelo grau de sedução visual e ao mesmo tempo profundidade estética. As suas últimas obras ganharam uma dimensão cosmológica, não pelas razões de escala e dimensões como pela preocupação cultural que atingem as imagens criadas.
Pela Potência de Imagem
Teixeira Coelho
A palavra central, aqui, é transfiguração. A mostra é de arte contemporânea e essa palavra carrega uma ressonância arcaica, religiosa. Mas é apenas aparente a impropriedade desta aproximação entre tempos distantes e coisas a respeito das quais já nos esquecemos que andaram juntas e nunca se separaram de todo. Talvez a palavra não me tivesse ocorrido, no alcance que tem para o momento atual, se não estivesse relendo, no momento em que me encontrei com a versão final da instalação de Regina Silveira, um ensaio de Baudrillard sobre a falência da arte contemporânea. Nesse texto, o autor falava de uma arte atual que viveria muito acima de suas possibilidades (num jogo de cena sem lastro real para “pagar as contas”, como ocorre com a classe média) e muito além de suas finalidades – e isso por ter aceito a morte da ilusão (e contribuído para ela) e promovido a des-imaginação da imagem. (E aqui ressurge a palavra transfiguração em seu rebuscado, mas sugestivo, formato atual: a imaginação da imagem). Perda da capacidade e do desejo de ilusão, desgosto e ressentimento com a tradição artística, auto-referência e ironia de curto alcance: a peça de acusação do filósofo é extensa e seu fundamento, discutível – mas não desprezível.
No texto, o filósofo parecia não acreditar na possibilidade de a arte reativar sua potência da ilusão, recobrar sua capacidade de imaginar o mundo e refazer a ligação direta com a vida. Viver acima de seus meios e para além de suas finalidades, gerando apenas simulacros, é um problema definitivo para a arte atual?
Não se a evidência for esta instalação de Regina Silveira. Há aqui uma ilusão positiva do mundo, como o filósofo queria – a ilusão de uma cena primitiva, a alusão a uma cena original, anterior à questão estética e que pode dar-lhe causa e sentido sólidos, condição para que o uso da palavra arte não seja apenas um jogo de palavras. Fica ainda mais claro que é assim quando se ouve da artista, em seu ateliê, a sugestão de que Mil e um dias, a terceira estação de sua obra – na imagem de dias e noites que se alternam com trilha sonora de sons tão resgatados quanto fabricados –, tem uma dimensão autobiográfica. Mas, mesmo sem conhecer essa inconfidência da artista, a cena primitiva por ela sugerida é forte demais para ser ignorada. E isso porque a instalação oferece um efeito de mundo, anterior a toda interpretação intelectual que se lhe possa agregar e, em particular, anterior ao efeito de discurso no qual se fixou muita arte moderna e contemporânea e que as asfixia.
Há um efeito de mundo nesta instalação, esse é o ponto. E sua peça de resistência, por mais de um motivo, é o céu central que tudo envolve, o Entrecéu. Ele é grandioso, dimensão que fica ainda mais impressionante depois da pequenez do poço negro na sala anterior, por onde o visitante inicia seu trajeto. Mirante, o poço negro da sala anterior em sua alusão ambígua tanto a quem nele vê como a quem por ele é visto, é intimista, individual e antes sugere do que propõe. O entrecéu é amplo, coletivo, afirmativo e instala o observador no tempo presente – concreto, localizado e imediato – proposto pela obra, numa relação a seguir corrigida pela parede dos Mil e um dias: diante dela, o observador sente-se impelido a não ficar retido no presente imediato criado pelo entrecéu, mas convidado a voltar atrás, para antes do que viu na sala inicial, e seguir adiante, na direção do que lhe sugere a imagem agora à sua frente. Como é próprio de parte da arte contemporânea, propõe-se aqui um trajeto do qual deriva e depende o sentido final a que o observador pode chegar. Ao entrar no galpão, ele não sabe ainda como será decisivo cumprir o trajeto proposto; mas será levado a fazê-lo e é isso que lhe torna possível, se quiser, superar o estado de simples afecção dos sentidos experimentado em cada uma das salas, em cada uma das estações da instalação, e desenhar um sentido mais amplo para sua experiência.
O entrecéu é grandioso no sentido que essa categoria tem na estética clássica. Se a função do grandioso não é a de sempre convocar o sublime, ele pode, em condições especiais, tocar no sublime, aquilo que é absolutamente grande (Kant), aquilo que não tem medida, aquilo cuja única medida está em si mesmo. A dimensão física é determinante no processo, mas não essencial. É possível chegar ao sublime pelo desmesuradamente grande (uma pirâmide) e pelo reduzidamente pequeno (Caspar David Friedrich). Ambas alternativas tratam de apresentar o que não é representável, de apontar para aquilo que não está ali, aquilo que não pode ser visto e que não se resume ao que se consegue ver. Como nesta instalação.
Esse processo tem um nome, que o filósofo prezava e com o qual se retorna ao ponto de partida: transfiguração (palavra que ele no entanto usa talvez numa única passagem do ensaio – o suficiente para capturar a leitura atenta). Olho uma figura, mas o que estou de fato vendo não está nela, está muito além dela: transfiguração. Capacidade de imaginação da imagem. Algo que nem toda arte tem ou procura mais. Uma passagem para algo que não está na coisa representada, não está no objeto, não está na natureza – não está nesse céu –, mas no próprio observador, em nós, como puro conceito.
E, no entanto… há nesta instalação alguma coisa que depende da natureza, alguma coisa que depende do sensível, do concreto, do exterior, o que vale dizer que há nesta instalação, de alguma forma, uma medida externa: o corpo, o corpo humano. Aqui, não se trata apenas de ver, trata-se de estar, o que só o corpo pode fazer, o que só a consciência de estar dentro de um corpo pode permitir. Novamente, a pista inicial, se fosse necessária, é “de bastidor”, de cocheira, vem do ateliê da artista: na maquete que fez para conceber a obra, é possível ver, o tempo todo, uma miniatura de figura humana, uma minúscula figura humana em escala marcando a medida e dando o significado da medida. Essa mesma figurinha humana é colocada ora ao lado do poço intimista que mira, ora no entrecéu, ora diante dos mil e um dias: a artista a leva de um lado para outro da maquete quando tem de avaliar um efeito, imaginar uma solução, intuir o conjunto. Esta não é uma obra feita para um observador mecânico ou virtual, ela não tem sentido numa fotografia que a reproduza: só existe naquele espaço e para algum corpo que nele se coloque. Mas essa informação de cocheira não é imprescindível para concluir-se pela presença dessa medida, para saber que a artista pensou no corpo físico humano: a instalação convoca o corpo porque é um trajeto que o envolve, seu sentido resulta do deslocamento real de um corpo concreto por um espaço sensível. A obra está feita para a medida humana. O poço intimista já a atendia, o entrecéu a confirma e reafirma. Apenas nos mil e um dias é que talvez se abra uma porta para que esse corpo se desvaneça – depois de ter-se afirmado.
Tudo isso move a transfiguração, inclusive no sentido arcaico e místico que lhe é específico e, talvez, inerente à arte: a revelação de uma imagem interior da obra, maior que a imagem exterior e que, no entanto, a magnífica. E que está no observador. Há, sim, o que imaginar nesta instalação. Sua imagem imagina. A ilusão positiva que o filósofo buscava ainda existe.
Ficções, de Regina Silveira
Museu Vale inaugura mostra da artista
com intervenções criadas especialmente para dialogar com o espaço
No dia 26 de julho de 2007 o Museu Vale – ES inaugurou a exposição Ficções, de Regina Silveira, com obras criadas para dialogar com aquele espaço. A mostra, segundo o curador Adolfo Montejo Navas, “levanta interrogações construídas no âmbito do site specific (o característico local da arte fomentado pelo Museu Vale do Rio Doce) e inscreve três situações diferentes. O denominador comum dos trabalhos é o céu, o horizonte celeste por extensão, e nossa própria escala problematizada, interrogada, em relação com as imagens apresentadas”.
A exposição é composta por três obras principais: Mirante, Entrecéu e Mil e um dias, que foram concebidas especialmente para ocupar diferentes espaços do museu, uma característica da artista que tem o poder de (re)inventar a imaginação a cada novo trabalho, fazendo leituras inéditas do espaço e da arquitetura com singulares desconstruções estéticas. Além destes três trabalhos, a mostra contará com uma sala complementar com maquetes e desenhos de outros trabalhos significativos da artista. Produzida pela Automática Produção Contemporânea, Ficções é uma realização da Fundação Vale, com o patrocínio da Vale.
As obras
A primeira passagem da exposição é Mirante, um poço negro numa sala escura onde está contido o cosmos. Uma esfera abaixo do chão, iluminada por um feixe de luz, sobre a qual o observador se debruça e vê o planeta do alto, em movimento, promovendo um olhar contemplativo e instigante. Uma proposta intimista que exige um olhar sozinho, individual.
No segundo momento, tudo é luz: o observador se vê dentro da obra em Entrecéu. É abraçado por um gigantesco túnel celeste, amplo e coletivo, que toma conta da nave principal do galpão de exposições. Do teto ao chão. Entrecéu se apropria da arquitetura do museu, criando uma situação poética de imagens paradoxais que mostram a força do tempo presente. É impossível não estar ali, dentro dele.
A terceira passagem, Mil e um dias, leva o observador novamente a olhar o tempo, a voltar atrás, a seguir adiante, a ver sob uma outra perspectiva… Na parede do fundo da sala, a partir do centro de uma porta falsa, idêntica à porta de entrada do Mirante, uma projeção de quatro minutos alterna imagens de dias e noites. A luminosidade do dia sai da porta e inunda a parede lateral; a noite some, tragada pela mesma porta. E volta o dia. Com ele, sons de vento, de crianças; com a noite, o barulho dos grilos.
Na opinião do curador, Ficções fala da ordem cosmológica a que estamos incluídos. – “Ninguém é alheio” – diz Montejo Navas. – “A mostra está intimamente relacionada também ao tempo, ao movimento, ao estar perto e distante das coisas” – sentencia. Há interrogações de natureza cognitiva e espiritual. Ele explica que Ficções fecha uma trilogia que Regina Silveira iniciou com duas outras exposições, Claraluz (CCBB – São Paulo, 2003) e Lumen, (Palácio de Cristal – Madri, 2005), cujas obras (site specific) se vinculam à arquitetura do espaço e à nova importância que tem a luz como núcleo poético de seu trabalho.
As maquetes
Seis maquetes completam Ficções, no segundo andar do edifício sede do museu: Todas las Noches, Desapariencia, Gol Supersônico, Duplo, Paving the Way e Lumen. Os trabalhos – espécie de poemas-objeto que incorporam às suas propriedades físicas toda a poética da artista, mostrando os diversos cenários das situações que ela levanta – estão em perfeita sintonia com Mirante, Entrecéu e Mil e um dias. Correspondem a intervenções poéticas de Regina ao trabalhar a arquitetura dos espaços, dando-lhes vida própria como site specific ou obras públicas. Das seis maquetes, três revelam trabalhos que não se realizaram, mas que mantém a sua identidade artística da mesma forma que os outros três projetos realizados. A mostra inclui também desenhos/estudos da artista.
O Museu Vale
Instituição tem lugar de destaque no roteiro da arte contemporânea
O Museu Vale é um projeto da Fundação Vale, que tem como objetivo proporcionar à população capixaba um espaço de excelência em arte contemporânea, incentivar os jovens a usar a criatividade na busca do conhecimento e preservar a memória da centenária Estrada de Ferro Vitória a Minas – EFMV. Inaugurado em 15 de outubro de 1998, o museu já sediou 26 importantes exposições e recebeu cerca de 500 mil visitantes.
Atualmente o Museu exibe a mostra Arte para Crianças que reúne obras dos artistas Amilcar de Castro, Eduardo Sued, Eder Santos, Ernesto Neto, Lawrence Weiner, Mariana Manhães, Tunga, Yoko Ono e Manuel Barros, em cartaz até junho deste ano.
Também já passaram pelo museu obras de importantes artistas como a do alemão Joseph Beuys, Antonio Manuel, José Damasceno, Leda Catunda, Arthur Omar, José Rufino, Amilcar de Castro, Iole de Freitas, Lygia Clark, Carlos Vergara, Eduardo Frota, Mariannita Luzzati, Cildo Meireles e Nelson Felix.
O museu está localizado em um imóvel restaurado e adaptado, que foi sede da antiga Estação Pedro Nolasco, no município de Vila Velha (ES), às margens da baía de Vitória. Com uma arquitetura eclética, seu design é limpo, arrojado, e sua proposta é valorizar a arte e estimular a pesquisa. Ao lado do museu existem dois vagões de passageiros reformados, que abrigam o Café do Museu.
Com cerca de 1.200 metros quadrados, o museu tem uma exposição permanente da história da ferrovia, com uma maquete que inclui miniaturas de trens em movimento, viadutos, fábricas e ambientes naturais, mostrando ainda o percurso do minério de ferro, desde as minas até o embarque no porto para a exportação. O acervo revela para o público fotos, equipamentos e ferramentas de trabalho dos ferroviários, objetos antigos, documentos, publicações e cenários que retratam ambientes que já não existem mais. São cerca de 160 objetos relacionados à história da EFVM.
O foco do museu é seu projeto educacional e a formação de público (principalmente o infanto-juvenil) que tem por objetivo incentivar crianças, adolescentes e jovens a usarem criatividade e imaginação a partir da vivência em atividades junto ao acervo e às mostras de arte contemporânea. Oferece a estudantes de escolas públicas e particulares da Grande Vitória visitas guiadas com monitores que explicam a temática do museu e das obras expostas.
Promove também workshops sobre as exposições de arte contemporânea para universitários de arte, que, posteriormente, ministram oficinas para professores e estudantes da rede de ensino da Grande Vitória.
O projeto do Museu se insere na missão da Fundação Vale, principal interlocutor da Vale com as comunidades com as quais a empresa interage. Com seus parceiros, a Fundação busca contribuir para o desenvolvimento sustentável dos territórios onde a companhia está presente, com investimentos na área de educação, cultura e economia local – três vetores estratégicos para o desenvolvimento.
Em 2006, a exposição itinerante Babel, de Cildo Meireles, realizada pelo Museu Vale na Pinacoteca do Estado em São Paulo, foi premiada como melhor exposição do ano pela APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte).
Ficções – Regina Silveira
Museu Vale
Antiga Estação Pedro Nolasco s/n – Argolas
Vila Velha – ES – Brasil
Tel: 55 27 3333-2484
De terça a domingo, das 10h às 18h
Sexta, das 12h às 20h
Período: de 27 de julho a 27 de setembro, 2007
Abertura: dia 26 de julho, 20h30, para convidados.
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