Acaso Controlado, Daniel Feingold
 23.Nov.2016 a 13.Mar.2017

Daniel Feingold pinta sem pincel; trabalha com esmalte sintético escorrido do topo das telas encostadas nas paredes de seu ateliê. A pintura acontece nesse processo original, onde a geometria organiza o olhar na apreensão do movimento dos planos. O esmalte é conduzido por um apetrecho inventado pelo pintor, uma lata com uma espécie de bico na parte superior, por onde a tinta escorre. Com esse material, Daniel Feingold faz a tentativa de conduzir a trajetória da tinta escorrida na tela. Suas pinturas, em ritmo próprio e conciso, dão origem a formas espaciais que revelam um jogo ótico no qual não se consegue distinguir figura e fundo. Nem limites. Para a curadora Vanda Klabin, “Daniel Feingold possui um firme senso de direção, apesar de lidar com o fluxo do imprevisível até conseguir uma unidade pictórica”.

A exposição, que já esteve no Rio de Janeiro e em Curitiba, apresenta-se no Museu Vale, Vitória/ES, na sua versão mais completa, com obras inéditas e a série fotográfica Homenagem ao Retângulo, de 2007. Um vídeo, que revela o processo do artista em seu estúdio (do preparo da tinta ao momento de jogá-la na tela) e traz um depoimento de Vanda Klabin sobre a potência pictórica de Daniel Feingold, complementam a exposição. O seu trabalho no Museu, entretanto, extrapola os espaços expositivos: Daniel Feingold prepara duas oficinas para estudantes da educação infantil ao ensino médio (6 a 16 anos), uma das ações do programa educativo do Museu Vale, coordenado pelo diretor Ronaldo Barbosa, que destaca a exibição da mostra nas comemorações dos 18 anos da instituição.

− Considero um privilégio poder mostrar os trabalhos de Daniel Feingold no ano em que se comemora a maioridade do museu. A energia contida nas pinturas do artista se apropria do ambiente e desafia os sentidos. A riqueza de seu processo criativo e a ousadia de sua técnica despertarão ainda mais a capacidade inovadora de cada um dos jovens participantes do nosso programa educativo – afirma.

A exposição

Para compreender Feingold é preciso liberar o olhar para a força dos traços, tramas, linhas, curvas, jatos de cor, movimento e sombras que compõem as 61 obras da mostra, dividida em seis ambientes. O percurso se inicia com a Série Homenagem ao Retângulo, primeiro trabalho fotográfico realizado pelo artista, em 2007, no Jardin des Plantes, em Paris. As imagens em preto e branco de árvores secas podadas em ângulos retos compõem abstrações geométricas que se confundem com algumas de suas pinturas. – O pensar fotográfico de Feingold é o mesmo pensar pictórico – revela a curadora.

No grande pavilhão do galpão expositivo, a potência da pintura de Feingold será apresentada em 21 trabalhos de grande escala, divididos em cinco séries. A primeira delas é Espaço Empenado, com obras de 2002 e 2003. Os trabalhos dessa série, cujos traços provocam uma espécie de transtorno visual, dialogam com as fotografias da sala anterior, num jogo de luz e sobras que combina um vigor exclusivamente pictórico à uma forma da gestualidade contemporânea e universal. Um dos destaques é o tríptico Grid# 02 que foi apresentado na 5ª Bienal do Mercosul.

A série Banda Larga – incorporada à mostra especialmente para o Museu Vale – apresenta telas com inúmeras variáveis de curvas em movimento acelerado. Elas derivam das pranchas de surfe que, durante anos, o artista desenhava e construía profissionalmente. Dois especiais destaques compõem esse segmento: O Glorioso (2008) e Voodoo-Woman. Nessas obras, os elementos geométricos e a abstração gestual atuam vigorosamente para a consolidação de suas conquistas no campo pictórico com suas superfícies cromáticas, luminosas e vibrantes.

Nos dois ambientes seguintes encontram-se as obras da série Estrutura (Verticais e Horizontais), com traços retos numa superposição de linhas onde a ideia de um certo cromatismo torna-se mais acentuada e nota-se, ao longe, referência ao “Broadway Boogie-Woogie” de Mondrian. – O neoplasticismo é uma fonte inesgotável de pensamento, especialmente quando o mundo está enfrentando questões como deslocamento e espaço – justifica Feingold, cuja formação de arquiteto permite que o pintor pense a arte como uma questão não isolada da arquitetura e do design. Nessa série destaca-se a maior obra da exposição, Estrutura#15, um tríptico (130cm x 540cm) produzido especialmente para o Museu Vale.

Yahweh (2013) é a última série da mostra. Seis trabalhos monocromáticos exibem a potência das ondas do esmalte preto escorrido sobre a superfície branca da tela, formando dípticos de mais de quatro metros, resultantes da junção de telas pintadas na posição vertical e unidas na horizontal. Yahweh, nome do deus judaico do Antigo Testamento, apresenta uma certa aspiração de transcendência do artista.

− O gesto original de Feingold se dissolve nas linhas oscilantes que se dilatam ao serem vertidas nesse universo descentrado pelo próprio deslizamento e pelo peso gravitacional da matéria viscosa da tinta, sempre à deriva, com múltiplas direções, obstruções, áreas de suspensão e intervalos luminosos, quase como uma fenda na interpretação do mundo – afirma Vanda Klabin.