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Ocupações

“Meu trabalho, desde o início, sempre partiu da questão da paisagem”, diz Mariannita Luzzati sobre sua experiência no final da década de 1980. Em 2005, a convite do Museu da Vale do Rio Doce, a pintora fez a viagem de trem pela Estrada de Ferro Vitória a Minas, margeando o rio Doce, fotografando os territórios capixaba e mineiro ao longo da ferrovia, para o preparo de uma exposição. Essa região da estrada foi historicamente visitada pelos franceses Auguste de Saint-Hillaire, naturalista, e parcialmente por François-Auguste Biard. No entanto, esta parte do Brasil nunca teve o seu intérprete iconográfico à altura de seu meio ambiente.

A artista relembra o processo “Quando o Museu da Vale do Rio Doce me convidou para ir a Vila Velha, fui apresentada ao Galpão. Cheguei cedo ao Museu e vi os trilhos e o trem do lado de fora. Conversando com os operários, eles me contaram da Estrada de Ferro”. Foi assim que, como artista viajante, Luzzati tomou o trem com sua câmara fotográfica e botou o olho na estrada à procura da paisagem e de seus atores. “A idéia era coletar o máximo de material possível em fotografia, vídeo e registros dos sons locais, e entrevistas com os viajantes durante o percurso”, diz a artista. Lápis e pincéis ficaram no ateliê.

A trajetória artística de Mariannita Luzzati tem um ponto de referência no momento em que ela faz a opção principal pela pintura. O presente texto visa produzir um olhar crítico a partir do corpus geral da obra de Luzzati desde então e, ao mesmo tempo, entendê-la em sua gênese e perspectiva histórica. Naquela década de 1980, o Brasil havia produzido uma explosão da pintura que, de resto, acompanhava uma tendência mundial. Seu marco de referência foram os Neue Wilde alemães, com sua ênfase nas grandes dimensões, contrastes fortes de cores e estilização da figura, e a transvanguarda italiana. É no curso desses fatos históricos que Mariannita Luzzati inicia sua formação artística em São Paulo. Entre os marcos históricos iniciais desta retomada da pintura estão as mostras “Entre a mancha e a figura” (1982, MAM-Rio de Janeiro) e “A pintura como meio”

(1983, MAC/USP). No rastro do 6o Salão Nacional de Artes Plásticas – SNAP (1983), surgiu o diagnóstico mais ambicioso da pintura emergente no Brasil que foi a mostra “Como vai você geração 80?” (1984, Parque Lage no Rio de Janeiro, com curadoria de jurados daquele 6o SNAP). No ano seguinte, foi a vez de “A grande tela” (18a Bienal de São Paulo, 1985). A mostra do Rio, organizada em curtíssimo prazo, não foi um levantamento geral da arte dos anos 80, mas um grito espasmódico de grande repercussão e conseqüências.

Em geral, alguns desses eventos reagiam ingenuamente contra a “morte da pintura”, então tomada como um acontecimento da fisicalidade. Não se levantaram discussões históricas sobre o fim lógico (a sua “morte”) do objeto “pintura” a partir do raciocínio do suprematista Kasemir Malevitch na Rússia, do neoplasticista Piet Mondrian na Holanda e do não-objeto teorizado pelo neoconcretista Ferreira Gullar no Brasil.

“A grande tela”, a importante construção curatorial de Sheila Leirner na 18a Bienal Internacional de São Paulo (1985), armou a primeira articulação dos pintores brasileiros, sobretudo os surgidos nos anos 80, com estrelas da voga internacional da pintura em ascensão no mundo desde fins da década de 1970. Nela foram apresentados quase que exclusivamente os pintores do Rio de Janeiro e São Paulo ao lado de pintores provenientes de diversas partes do mundo. “A grande tela” foi um ato de reafirmação das possibilidades da pintura. Em seguida, a curadora Sheila Leirner monta “A grande coleção” na 19a Bienal Internacional de São Paulo (1987). Agora, segundo, o tratamento dado ao conjunto de obras, no espaço da Bienal, é o de um museu “dinâmico, teatral, hierárquico que se erguia do térreo como um cilindro espiralado”. A aludida hierarquização consagra ao triunfo da obra de Anselm Kieffer pela forma como se organizou a estratégica museografia espiralada e a montagem simbólica do pavilhão do Ibirapuera.

Sob a regência de uma formalização curatorial, cuidadosamente consistente com o aludido programa, todos os artistas apresentados nas áreas adjacentes à grande rampa do prédio da Bienal estavam dinamicamente articulados. Em sua heterogeneidade, todos, no entanto, levavam, por questões matéricas, conceituais ou cromáticas, a uma síntese, que poderia ser interpretada como o reconhecimento do modelo de arte de Kieffer, com a solidez da formação acadêmica de um pintor alemão e a densidade de seu programa conceitual, algo que faltava a muitos artistas latino-americanos de “A grande tela”. A obra de Kieffer, montada numa sala especial de grandes dimensões no último andar, está anunciada na parte externar por sua monumental peça Paleta com asas (1985), visível desde o térreo. Paleta com asas é uma alegoria da pintura e do próprio devaneio da arte. No entanto, a pintura de Mariannita Luzzati parece ter surgido à margem de “A grande tela” e de “A grande coleção”, pois sua formação, nessa época, esteve concentrada na gravura.

Pois foi no ambiente dominado por uma euforia e hedonismo que, paradoxalmente, Mariannita Luzzati buscou uma formação fora desta predominância ora ruidosa ora veemente da pintura. É fundamental compreender a avaliação feita pela própria artista do papel didático de seus professores. Ela rememora que sua formação foi antiacadêmica: “Estudei desenho no ateliê de Carlos Fajardo e freqüentei um curso com Carmela Gross. O curso de desenho tratava da questão da divisão do espaço, do equilíbrio. Durante muitos anos freqüentei o curso de gravura de Evandro Carlos Jardim no MAC e na ECA” .

Seguramente, Carmela Gross e Carlos Fajardo lhe asseveravam a importância do rigor conceitual na inteligência plástica, antes de qualquer treinamento técnico. Em sua produção, encontramos que Fajardo realizou uma “quase pintura” com os quadrados de luz fluorescente e a pintura ready made feita com planos de fórmica. Carmela Gross, avalia Luzzati, “tinha uma preocupação mais sensível com a matéria”. Evandro Carlos Jardim lhe ofereceria a disciplina técnica convertida em poética.

Ao permanecer ao largo do barulho, por vezes eufórico, feito em torno de sua geração e da retumbância da pintura, Luzzati claramente optou por um programa de medida e de contenção. Surge, então, uma dúvida mais remota. Haveria no processo anterior de Mariannita Luzzati um imaginário de pintura que a levasse a construir seu programa de pintora com sua consistente trajetória?

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“Meu trabalho, desde o início, sempre partiu da questão da paisagem”, diz Mariannita Luzzati sobre sua experiência no final da década de 1980.

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