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Tríade: linha, plano, imagem
 30.Nov.2019 a 15.Mar.2020

“Tríade: linha, plano, imagem”, a 50ª exposição de arte contemporânea que realizamos no Galpão de Exposições do Museu Vale, apresenta os trabalhos de três artistas capixabas e que trilharam caminhos distintos na arte contemporânea: Bruno Zorzal, Fredone Fone e Sandro Novaes. Participantes da exposição “20/20 — 20 anos do Museu Vale, 20 artistas do Espírito Santo”, em 2018, os três artistas trazem neste novo momento a expansão de seus trabalhos em grande escala, cuja paleta monocromática é o grande elo entre eles.

A área de 800 m² do Galpão de Exposições serve de espaço de ocupação de três site specifics que tomam forma dentro e fora do espaço expositivo do Museu Vale. O galpão é envolvido com o trabalho desses artistas capixabas da nova geração, cujos trabalhos abordam temas como a linha, o plano e a imagem.

A execução das obras que demandam o fazer do artista de forma corporal intensa nos remete ao conceito discutido na sexta edição dos Seminários Internacionais Museu Vale que reuniu, em 2011, um grupo diverso para debater o tema “Homo Faber: o animal que tem mãos”, cujo cerne abrange os vários dilemas que envolvem a criação artística, técnica e o fazer humano. O resultado, que mostra claramente o esforço físico aliado ao pensamento, revela-nos três grandes momentos dos artistas performando numa escala nunca experimentada por eles anteriormente.

Em uma grande sinergia de ação, esforço e trabalho, Bruno, Fredone e Sandro são singulares no modus operandi, na execução dos trabalhos e na ocupação dos espaços, mesmo com linguagens antagônicas. Os dois últimos convergem na abstração das poéticas individuas das obras aqui exibidas, enquanto o primeiro nos traz imagens grandiosas; vindas e idas, algumas vezes, de memórias perdidas.

Bruno Zorzal fotografa sem registro de lugar, tempo ou referência para só depois, num caminho de escolhas subjetivas e organizadas sob um profundo pragmatismo, reorganizar o seu percurso onde o tempo, o lugar e as referências são encontrados ou não. Assim a fotografia que se amalgama nas paredes de pedra ganha outra dimensão no espaço do galpão portuário dos anos 40. As imagens são coladas em papel impresso no processo que remete à técnica de fotografia. A galeria 1 de 151,80 m² com pé-direito de 5,50 m nos faz imergir num mundo em preto, branco e cinza; visitá-la nos leva longe daqui, através de paisagens e pessoas que estiveram em algum lugar e agora distantes são materializadas na sinergia entre papel e pedra. É um mundo de paradoxos que nos abraça e nos repele. Melancolia e serenidade acompanham a imagem deste artista pensador, de fala calma e olhar direto. Ele trabalha com fotografias que vistas em separado indicam algo imageticamente identificável aos olhos de quem vê, o todo, porém, remete a algo que beira a irrealidade, a memória, o sonho, o tempo que se esvai. É assim que Zorzal fala com o mundo, sem palavras impressas nem ditas, mas com imagens da memória quase perdida que apesar das multidões também é o lugar do homem solitário.

Fredone Fone, por sua vez, fora do espaço hermético da galeria faz da extensão de 420 m² da parede externa do Galpão de Exposições seu lugar de expressão, através de uma monumental pintura mural de formas geométricas nos tons de branco, preto, cinza e vermelho intenso, sua marca registrada, que gera um diálogo com a arquitetura do prédio e a escala real da baía do Porto de Vitória e seus monumentais navios atracados para recolher cabos de comunicação marítima. Filho de operário da construção civil e menino que trabalhou com o pai desde os 10 anos na edificação e pintura de casas populares, aos 14 anos enveredava-se pelos grafites de rua. Hoje, ele traz esse universo nos seus planos geométricos mundo afora. Artista residente do mundo faz do seu trabalho nas alturas e nas extensões o seu olhar da vida, o olhar do seu quintal. “São como se fossem quitinetes”, comenta Fredone, esses aglomerados de conjuntos que se opõem à paisagem pesada de um porto em ação. Marinheiros, pescadores, catraieiros e todas as pessoas que trafegam pelo porto vão ficar curiosos com o grande mural que de tão sofisticado em sua composição mostra a simplicidade das formas vindas da mão de um homem simples, um artista próprio, com uma linguagem amadurecida pelo exercício de um labor aprendido com o pai, o seu mentor, o seu amor.

Sandro Novaes, o artista da linha, traço do fio condutor da linha imaginária, linha que corta, quebra, que se repete mil vezes, que cruza, interpõe e perpassa. O traço repetido e desencontrado, o surgimento da linha imaginária, a linha invisível. É assim que o artista trabalha compulsivamente todos os dias procurando a sua direção rumo ao infinito, busca sem fim, tomada pela repetição de quem procura a perfeição. A perfeição está quase ali, quase alcançável, mas a procura não o deixa parar, talvez pelo medo de encontrá-la ou seria o receio da linha ter um fim? Neste site specific¹, Novaes cria paredes; as desenha com milhares de traços e os traz para o tridimensional. Um emaranhado organizado pela centimetragem do ato da repetição cria um espaço de imersão, onde o espectador adentra e vive o desenho, caminha e o respira. Na verdade, o desenho toca o espectador fisicamente através de fios pretos, brancos e cinzas de elástico tencionados. Nesse mesmo espaço, o artista materializa a linha em ferro e imagem videográfica. Tudo numa obsessão de entender o percurso da linha, este tão comum efeito que se consegue através de um lápis e um papel. É assim que Novaes desenvolve a sua poética, o seu encontro consigo mesmo. Tão simples e tão complexo.

Tríade de linha, plano e imagem, mas também de artistas com suas buscas, paixões e esperanças. Acreditar na potência desses três artistas e em tantos outros capixabas que por aqui passaram é reafirmar a satisfação que o Museu Vale tem de incentivar a arte contemporânea do estado do Espírito Santo, formando, incentivando e apresentando exposições como esta e tantas outras no decorrer destes 21 anos de atuação, cuja crença no artista e no poder transformador da cultura se faz energia que nos move e nos faz continuar.

¹ O termo site specific, ou sítio específico em português, faz referência a obras pensadas de acordo com o ambiente expositivo, onde os elementos das obras elaboradas pelo(s) artista(s) mantêm um diálogo com o entorno, sua arquitetura, etc. para o qual a obra fora concebida.

Ronaldo Barbosa
Curador
Diretor do Museu Vale

O Museu

O Museu Vale está instalado na Antiga Estação Ferroviária Pedro Nolasco, às margens da Baía de Vitória, em uma área tipicamente industrial e portuária no município de Vila Velha, Espírito Santo. O espaço detém o Certificado de Excelência do site TripAdvisor pela qualidade do serviço prestado no âmbito cultural, além de ter sido incluso no Hall of Fame do site de viagens por ter recebido o certificado de qualidade durante cinco anos consecutivos.

Gerido pela Fundação Vale, com recursos da Lei Federal de Incentivo à Cultura por meio do Ministério do Turismo e do Governo Federal, o Museu Vale é norteado por três pilares: memória ferroviária, arte contemporânea e arte educação. Além de preservar a história da construção da Estrada de Ferro Vitória a Minas, o museu atua de forma integral e continuada, mantendo um papel de formação de jovens e indutor de atividades culturais na região.

Com sua atuação na arte contemporânea, o Museu Vale tem tornado possível o acesso – sem qualquer custo – a mostras de qualidade comparável a museus brasileiros e internacionais de referência. Ao todo, nessas duas décadas, o museu somou a presença de 216 artistas nacionais e internacionais em 50 exposições individuais e coletivas.

O museu compõe a rede de espaços culturais da Vale localizados em diferentes estados do país que tem como objetivo contribuir para a democratização da cultura e para a preservação do patrimônio material e imaterial brasileiro. Os espaços culturais da Vale atuam também na valorização da cultura regional através de ações integradas de circulação nacional do conteúdo artístico e cultural.

A curadora

Tríade, linha, plano e imagem reúne artistas residentes no estado do Espírito Santo e busca apresentar certa cartografia de inter-relações de experiência artística, encabeçada por Fredone Fone, Sandro Novaes e Bruno Zorzal. Os três fundam seus trabalhos numa sólida base de pesquisa e de experimento e têm como norte diferentes reflexões sobre espaço e tempo; o que os une é a linha, o plano e a imagem — eixos centrais deste encontro.

A mostra enfatiza as afinidades criativas desses artistas e dá continuidade ao programa do Museu Vale, espaço de arte contemporânea, cuja vocação é a proposição de diálogos entre diferentes criadores, linguagens e formas de expressão. Registramos que integram este texto conversas com os artistas,uma experiência, realizada paralelamente à montagem da exposição,que resultou em abordagem sobre processo, questões e métodos. Precedemo texto também comentários de uma breve biografia dos artistas. São eles o foco do nosso interesse.

Fredone Fone, dono de um estilo único desenvolvido por meio de vivências imersivas em ambientações urbanas — desde seu bairro Serra Dourada (SD) até diversas cidades brasileiras e muitos lugares no mundo —, apresenta trabalho inédito: uma pintura mural, medindo cerca de 420 m², na parede externa do Galpão de Exposições, um antigo armazém de cargas adaptado para mostras temporais de arte contemporânea do Museu Vale, margeado pela baía de Vitória (ES).

Fredone sempre se interessou pelas propriedades da construção civil, pela cidade e seus habitantes. O artista adota sempre, em suas pinturas, tinta à base de resina acrílica para pisos cimentados. Manipula o vermelho, o preto e o cinza e os aplica diretamente sobre a parede. Subverte. O artista cria um grande quebra-cabeça, por meio de planos pictóricos que se encaixam em arranjos modulares; justapostos, unem-se de modo a explorar efeitos ambíguos da forma.

De fato, o método da obra de Fredone Fone decorre de uma atenção à prática, fundamentada na vivência de 10 anos trabalhando como ajudante de pedreiro com o pai, o Sr. Adão, construindo, reformando e pintando casas na periferia do município de Serra (ES). Entretanto, não é apenas essa a referência do artista. Ele refaz o seu “lugar”, une a sua prática à necessidade e à realidade da vida urbana da periferia. A obra busca refletir sobre a urgência: poder edificar a “cidade”, com o direito ao direito, o direito à diferença e à diversidade, o direito às oportunidades, contrapondo e conectando protagonistas que constroem uma outra narrativa possível. Os planos na obra do artista são emblemas; contêm índices e tipologias. Aceitos como identidades arquitetônicas, esses elementos tratam de representar construções, tais como casas, parques, escolas, e particularmente contextualizam elementos de aceleração, movimento, demandas concretas e soluções urgentes para o caos social. Fredone Fone relata que o seu trabalho o lança ao mundo, e na bagagem carrega sempre o bairro SD, sobre o qual organiza o seu projeto de resistência. No retorno, o ponto de observação é o mesmo: “quando volto, trago o que vivi para o meu bairro e percebo que sou uma voz que ressoa alegria”. Por onde ele passa deixa lastros construtivos e afetivos.

Organizar os conhecimentos que são fruto desse trabalho, bem como suas contribuições para transformações sociais conectadas ao direito –eis o conceito essencial da arte de Fredone, e suas realizações, seja por palavras, seja por planos, são apenas maneiras de transmitir comentários sobre a condição humana. Fredone Fone é arquiteto de vidas.

Sandro Novaes tem um trabalho inconfundível. O artista trabalha com signos visuais que se expandem em jogos de linha e constroem planos, por meio de materiais diversos, tais como barbante, elástico, fita adesiva, ferro, lápis e papel, atribuindo a eles uma narrativa imaginária.

Inicialmente, Sandro se aproxima do plano com construções geométricas, que o remetem à herança do projeto construtivo brasileiro na arte; apropria-se desse plano para reestruturá-lo e, assim, subvertê-lo. Em outras palavras, de acordo com o vocabulário artístico de Sandro: “o ponto é o princípio único, imutável. A linha é o ponto em movimento […] depende da ação de forças e da combinação que eu faço para ela existir. Como ideia, fui à linha do horizonte para permutar e entender que a imaterialidade da linha reta corresponde à condição humana”; e o conceito de que toda forma nasce do ponto “busquei em Kandinsky: entender que o ponto é a forma primária, e um ponto num plano é imagem primária de toda expressão pictórica”, conclui o artista.

Sob esse raciocínio, Sandro Novaes apresenta nesta exposição dois trabalhos. O primeiro é composto de um conjunto de três obras. Ele recorta várias tiras em vinil e as sobrepõe na parede, indo em direção à projeção de um vídeo de linhas desencontradas. Da mesma forma que um feixe de linhas de barras de ferro instaladas diretamente sobre a parede evoca desencontros e tensões, também o artista mostra um desenho de linhas organizadas sobre planos. O conjunto de seu trabalho reafirma a progressiva teoria das formas, convocando novamente Wassily Kandinsky: ponto e linha são os dois elementos unicamente aptos a autorizar o desaparecimento do objeto.

A segunda obra é como um grande site specific, ocupa 553,65 m² do Galpão Expositivo do Museu Vale. Sandro tangencia o seu trabalho ao de Lygia Pape, por quem nutre uma profunda admiração, e conta que a obra Tteia, da artista, abriu para ele inusitadas e decisivas formas de expressão plástica. Sob tal inspiração, nesse seu segundo trabalho a linha é a matéria — toma forma no espaço e integra a arquitetura. São planos organizados com incontáveis linhas de elástico lançadas no espaço. E com a força da mão, o ponto se move em várias direções; com as linhas de grafite, sob o atrito do lápis, nas paredes ou plano, milhares de linhas se interligam, vai da arquitetura ao plano, espaço, piso e teto. “Uma trama labiríntica, entre o suporte e o desenho. Neste trabalho realizo um sonho, a tridimensionalidade do desenho e a imersão: o espectador poder entrar na obra. Ao adentrá-la, a cada passo são infinitos recortes de desenhos que o olhar vai capturar. Estou muito feliz com esta obra”, compartilha o artista.

O artista Bruno Zorzal alinha sua obra a uma estrutura simples e produz resultado sofisticado. Abandona o suporte tradicional da fotografia em prol de procedimentos matérico-instalativos; imagens plotadas e coladas no estilo lambe-lambe; aplicadas diretamente sobre a parede de pedra, com uma goma: mistura de trigo e água. Assim,sobrepõem e brotam marcas e imperfeiçoes arquitetônica, de um galpão construído há cerca de 100 anos. Essa estratégia estabelece relação estreita com o espaço arquitetônico e deste com o visitante, e acende a discussão sobre suporte.
Ele distribui pelas quatro paredes da segunda sala do galpão, medindo cerca de 350 m², cujo pé-direito chega a cinco metros, as imagens escolhidas, dentre centenas, que formam uma narrativa não linear e que levam em conta relações de dualidades.

O modo de expor neste espaço precedeu a escolha das imagens, parece que elas foram pulando e se encaixando umas com as outras […] por exemplo, a metade da montanha é uma face de um continente que tem um oceano, a outra face do contorno termina em outro oceano, quando junto as faces, aparece a imagem de uma montanha.Assim como o retrato de uma multidão.

Bruno Zorzal também manipula o embate entre apropriação, identidade e anonimato. O artista construiu um imenso painel de imagens digitalizadas, retiradas de um livro de uma época, reproduz em reprografia e manipula pelo processo de digitalização atribuindo à sequência de rostos uma espera.Como ele mesmo define e indaga:“Esta imagem ocupa toda a extensão da parede,o encontro não existe na realidade. É possível dizer que as pessoas que ali estão estariam concentradas numa praça pública com um objetivo de construir algo? Não sei”.

Ele reflete sobre o tempo de decantação das suas ideias e as influências disparadas pelo estado de espírito, lugar, geografia, natureza e tempo são definidoras de poéticas.

Nesse contexto,o histórico livro A Divina Comédia, escrito no século XIV é um exemplo citado pelo artista.“Logo depois de fazer as escolhas das imagens, fui à estante e retirei este livro, é como se eu estivesse contando aquela história”, em que o próprio poeta Dante Alighieri percorre uma viagem entre três instâncias completamente distintas: inferno, purgatório e paraíso.“Logo no primeiro canto ele está perdido numa floresta, a convite de um poeta, passa pelo inferno e purgatório em direção ao paraíso. Incrível!!! como a leitura nutre a imagem e vice-versa!”, conclui Bruno.

O trabalho de Bruno Zorzal tem interioridade. Dele se extraem narrativas enviesadas. Suas imensas imagens em preto e branco nos provocam a refletir sobre questões relacionadas à temporalidade, à profundidade, ao real e ao irreal.

Neusa Mendes
Curadora

Ficha técnica

Curadoria
NEUSA MENDES
RONALDO BARBOSA

Projeto Expográfico
RONALDO BARBOSA

Design Gráfico
JARBAS GOMES

Revisão de Texto
ROSALINA GOUVEIA

Tradução
HENRY ANTONI RODRIGUES

Cenotecnia
FRANCISCHETTO COMÉRCIO E INDÚSTRIA DE MADEIRAS

Pintura
DSM ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO EIRELI ME

Montagem
ANDERSON FONSECA
BIRA
CARLOS HENRIQUE DANTAS
CLÁUDIO MURILO RODRIGUES
DANILO PORPHIRIO DE ALMEIDA
EDSON SAGAZ
EVANDRO
FÁBIO SOUTO
FELIPE
GABRIEL FREITAS RODRIGUES
GABRIEL LORDÊLLO
JOANA QUIROGA
LEANDRO NIERO
LUKAS CRAVO
QUEIROZ
ROSÂNGELA DE SOUZA RODRIGUES
SIDNEY PORPHIRIO DE ALMEIDA JUNIOR
TUCA SARMENTO

Iluminação
JULIO KATONA

Assessoria de Imprensa
MEIO IMAGEM COMUNICAÇÃO

Fotografias
SÉRGIO ARAÚJO

Registro Fotográfico
CLARABOIA IMAGEM

Fotografias de Drone
BIBICO DANTAS
DIEGO LOCATELLI

Registro Videográfico
LUPINO FILMES

Museu Vale
Antiga Estação Pedro Nolasco, s/n – Argolas
29114-670 – Vila Velha – ES – Brasil
Tel. 55 27 3333-2484
www.museuvale.com