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Lugar sem Nome, Rosilene Luduvico
 27.Jun.2009 a 06.Set.2009

A Fundação Vale e o Museu Vale têm o prazer de apresentar ao público brasileiro a obra da artista Rosilene Luduvico. Capixaba, nascida na região de Domingos Martins, Rosilene partiu do pequeno e significativo “Lugar sem nome” para o mundo, radicando-se na Alemanha em 1995. Após concluir seus estudos na Universidade Federal do Espírito Santo, Rosilene frequentou, primeiramente como ouvinte, a celebrada Academia de Arte de Düsseldorf, onde foi aluna do artista Konrad Klapheck.

Nessa mesma instituição, ela cursou pintura com o professor Siegfried Anzinger, artista austríaco dos mais reconhecidos internacionalmente. Seguindo sua formação, a artista foi absorvida diretamente pelo mercado internacional de arte contemporânea, construindo uma sólida e promissora carreira. Algumas de suas obras constam atualmente de renomadas instituições e coleções em diversas partes do mundo.

Com uma pintura delicada e feminina a artista trabalha com técnicas próprias, criando um universo particular pelas abordagens daquilo que vê e de seus sonhos. Vivencia os lugares por onde passa como se fosse uma nômade, captando a paisagem, a energia e a tipologia de cada região.

Rosilene foi convidada há um ano pelo Museu Vale para realizar esta exposição. Além das obras trazidas da Alemanha e desenvolvidas especialmente para a mostra, há pinturas em grandes formatos que a artista produziu durante dois meses na região de Domingos Martins, onde nasceu. Rosilene passou também pela Reserva Natural Vale, em Linhares, um ponto intocado do território capixaba, que recebeu da Unesco o título de Posto Avançado da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica. Lá a artista criou trabalhos com elementos deste rico e variado ambiente de preservação da fauna e da flora brasileiras.

Com esta exposição, a Fundação Vale confirma sua atuação na cultura como meio de expressão da identidade de cada região, mantém seu caráter de atuação global, investindo em ações locais, e traz ao público e à própria artista a possibilidade de conectar-se novamente e 
de valorizar a história e as raízes das gerações passadas e atuais.

FUNDAÇÃO VALE

Artista

Rosilene Luduvico

Cronologia
1969 – Rosilene Luduvico nasce no “lugar sem nome” (região de Domingos Martins).
1970 – Início da construção da estrada no “lugar sem nome”.
1978 – Chega a energia elétrica ao “lugar sem nome”.
1985 – Rosilene vai do “lugar sem nome” para Vila Velha cursar o Ginásio.
1988 – 1995 – Estuda Artes Plásticas na UFES.
1995 – Viaja para a Alemanha, para estudar.
1997 – 2003 – Cursa a Academia de Arte de Düsseldorf.
2003 – Participa da exposição “A nova escola de pintura de Düsseldorf”, no Museu Hans Lange, em Krefeld. A mesma exposição segue para o Herzliya Museum of Contemporary Art, em Israel
2004 – Realiza a primeira exposição individual na Galeria Zink & Gergner.

Residências
Artist in Residence
2004 – Floresta da Baviera
2005 – 2006 – Recife
2006 – Londres
2007 – Nagoya Japan
2007 – 2008 – Nova York

Curadora

Lugar de origem

A vitória nos arredores de Vitória. Este pronunciamento soa como um final feliz. Na verdade, porém esta primeira mostra individual de Rosilene Luduvico em uma instituição brasileira, intitulada “Lugar sem nome “, no Museu Vale do Rio Doce em Vila Velha no Estado do Espírito Santo é somente o ponto de partida para um recomeço, ou seja, para reintroduzir sua produção artística atual no Brasil, desde que fixou residência na Alemanha em 1995.

Desde criança Rosilene era consciente de seu interesse artístico. Sua vida pacata na região serrana do Espírito Santo, mais especificamente na região serrana entre Vitória e Pedra Azul , era o alimento para sua imaginação lúdica infantil. A solidão local lhe permitiu fazer com que ouvisse a si mesma e assim convenceu os pais a permitirem que ela se mudasse para a cidade de Vitória, a fim de continuar seus estudos e conseqüentemente sua trajetória. Foi na casa de uma prima, que a jovem pôde se preparar até a maturidade a fim de vir a freqüentar a academia de arte local. De 1988 a 1995 Rosilene estudou artes plásticas na Universidade do Espírito Santo. Recém formada ela almeja ampliar suas fronteiras seguindo no mesmo ano para a Alemanha. 

A renomada Academia de Düsseldorf e conseqüentemente a “Escola de Pintura de Düsseldorf” possui desde sua criação, em 1773, uma grande reputação com enfoque na pintura de gênero, competindo por muito tempo, no contexto alemão, somente com as academias de arte de Berlim e Munique. Além disto, grandes mestres da arte contemporânea lecionaram nesta academia, apesar de não se dedicarem especificamente à pintura. Um dos grandes exemplos é Joseph Beuys, ligado a esta academia nas décadas de 1960 e 1970 de forma muito polêmica e inovadora, criando grandes conflitos entre ele e o corpo docente, o que causou, por fim, seu afastamento da instituição.

Rosilene Luduvico freqüentou a Academia de Arte de Düsseldorf primeiramente como ouvinte, entre 1997 e 1998, sendo aluna de Konrad Klapheck. A pintura do mestre era dominada por características do neo-realismo, surrealismo e pop-art, as quais dominam sua produção até os dias de hoje. Klaphek foi contemporâneo e colega de Yves Klein, Jesús Rafael Soto, Lucio Fontana e René Magritte, entre outros. Indiretamente, Rosilene passa a ter um convívio assíduo com protagonistas da arte contemporânea, a qual ela acompanhava, até então, principalmente pela literatura.

Entre 1999 e 2003, Rosilene freqüenta o curso de pintura com o professor Siegfried Anzinger, o qual, por sua vez, leciona desde 1997 na Academia de Arte de Düsseldorf. Anzinger é um dos artistas austríacos mais reconhecidos internacionalmente, mas que optou por viver e lecionar na Alemanha, sendo um dos maiores defensores da “Neue Malerei” (Nova Pintura). Este movimento se estabeleceu no início da década de 1980 mais especificamente na Áustria, reconhecido pelo carregado gesto expressivo e cores fortes. Anzinger abandonou esta tendência há anos e se utiliza nas pinturas mais recentes de cores pastéis. A figura feminina é uma constante em sua produção atual transposta de forma sutil por traços e contornos bem modelados como em um desenho. Deste mestre, Rosilene Luduvico herdou, provavelmente, não somente algumas das características da pintura, como também a perseverança, pois ele propaga o (di) lema: “Die Malerei ist ein tägliches Scheitern” (A pintura é um fracasso diário). 

A concretização de sua formação acadêmica mal pôde ser celebrada como um fato isolado, porque ela passou a estar conseqüentemente interligada a sua inserção no âmbito profissional. Surgem aí frutíferas parcerias, as quais proporcionam a Rosilene uma plataforma de atuação ampla, posicionando sua obra em instituições e coleções de renome, como extensão prática do cotidiano em seu atelier fixado em Düsseldorf. 

A descrição acima surge evocando uma trajetória à primeira vista linear, a qual, porém, oculta detalhes, creio eu, decisivos na formação da artista Rosilene Luduvico e conseqüentemente de seu processo produtivo. Os traços e rastros desta experiência se vêem, sem dúvida, enraizados nas telas que a artista produz. Cabe a nós vislumbrá-los.

Lugar decisivo

A pintura, o desenho e demais formas de expressão artísticas recorrentes possuem há tempos um lugar decisivo na vida de Rosilene Luduvico. Sua trajetória pessoal está como que emoldurada pelo entorno da pintura. Eis um privilégio, não nato, porém conquistado! 

A relação do sujeito artista com o objeto pintura compõe um ciclo, harmonioso ou conflitante. Adorno já se referia à relação entre objeto e sujeito como uma batalha constante e nem muitas vezes palpável: “Uma vez radicalmente separado do objeto, o sujeito reduz o objeto a si mesmo; o sujeito devora o objeto, ao esquecer quão objeto vem a ser o próprio sujeito. A imagem temporal ou não de uma harmoniosa identidade entre sujeito e objeto é, porém, romântica; esporadicamente uma projeção saudosista, hoje uma mentira”.

Rosilene Luduvico já superou esta dualidade contraditória, pois sua atitude e obra se encontram imersas em plena simbiose e maturidade.

A mostra “Lugar sem Nome”, composta de pinturas de pequena e grande escala, desenho e instalação remetem ao universo próprio da artista – solitário, nômade, bucólico, introspectivo, lúdico …

O título sugerido por Rosilene Luduvico – Lugar sem Nome – enfatiza o macrocosmo rodeado por barreiras flexíveis, interculturais, incluindo aí todo e qualquer lugar imaginável e inimaginável. Os protagonistas de sua obra ocupam um espaço neutro, puro e virgem. Toda e qualquer representação sinaliza uma ruptura com a massificação da vida contemporânea. O fator temporalidade é distinguido por cenas noturnas e diárias, assim como algumas paisagens que relatam estações distintas do ano.

Lugar espacial

Todo e qualquer lugar deve ser considerado pelo espaço que ocupa ou sua capacidade espacial.

“Lugar sem Nome” foi elaborada para um espaço específico: aquele do Museu Vale do Rio Doce. “Lugar sem Nome” foi baseada em lugares marcantes da infância de Rosilene Luduvico. “Lugar sem Nome” foi elaborada considerando o percurso nômade, privado e profissional de Rosilene Luduvico nos últimos anos. A simbiose deste amplo contexto é a mostra, pois nenhum dos fatores acima justifica por si só sua existência.

Já Foucault propagava a coexistência de várias camadas e contextos que se sobrepõe formando o todo: “O espaço no qual vivemos, que nos leva para fora de nós mesmos, no qual a erosão das nossas vidas, do nosso tempo e da nossa história se processa num contínuo, o espaço que nos mói, é também, em si próprio, um espaço heterogêneo. Por outras palavras, não vivemos numa espécie de vácuo, no qual se colocam indivíduos e coisas, num vácuo que pode ser preenchido por vários tons de luz. Vivemos, sim, numa série de relações que delineiam sítios decididamente irredutíveis uns aos outros e que não se podem sobre-impôr” .

A mostra, ocupando todo espaço do Museu Vale do Rio Doce, está dividida de forma sutil por gêneros de pintura: paisagem urbana e campestre, além do retrato. Todas as obras foram elaboradas especificamente para este projeto e enfatizam um diálogo generalizado baseado nos sonhos, inquietações, indagações e ambições de Rosilene Luduvico. O conteúdo da mostra é pulverizado por todo o museu sem perder o equilíbrio ao ocupar espaços monumentais, medianos e introspectivos.

Em um dos extremos do Museu Vale do Rio Doce, em uma sala isolada, é apresentado um desenho emblemático, o qual, entretanto, assume um papel central na exposição. Com a leveza de um sonho infantil surge uma carruagem fascinante a levantar vôo, puxada por cinco pássaros, imersa em um ambiente puro e neutro. O condutor atento dirige seu veículo de transporte com máxima compenetração e empenho, como se estivesse executando uma tarefa honrosa, semelhante à atuação de Afrodite. Conforme a mitologia grega, Afrodite se utiliza de uma carruagem puxada por pássaros para salvar Adônis da morte. O único testemunho da cena reproduzida por Rosilene Luduvico é uma sábia coruja atenta a apreciar o percurso, sentada na carruagem. A dinâmica da cena é enfatizada pelo movimento de duas bandeiras esvoaçantes sobre a carruagem. As rodas imensas provam seu desempenho por meio de aros monumentais e coloridos como a se intercalarem neste percurso lúdico. O desenho não se apresenta isolado no espaço expositivo, ele está imerso em seu microcosmo reluzente composto por purpurina aplicada por toda a sala. Surge aí o caráter instalativo da obra de Rosilene Luduvico, que vem explorando em experiências distintas o abandono de um suporte convencional, para agir mais livremente, criando um lugar mais amplo de diálogo e vivência de sua obra com o expectador. A leveza do desenho e o brilho da purpurina seduzem o visitante neste ambiente introspectivo. Também para a mostra “Lugar sem nome” Rosilene idealizou a realização de uma pintura efêmera a ser executada diretamente sobre as paredes da instituição, a qual existirá somente durante o período da mostra.

O caminho se abre para um conjunto de telas de pequeno formato, singelas e naive à primeira vista. A purpurina do contexto anterior é aqui transposta para as telas individualmente e em tons distintos. A sutileza paira no ar. Ao espectador irrequieto cabe explorar este contexto de forma mais meticulosa. Surge aí a imagem de pequenos seres isolados e imersos em seu próprio universo, evitando trocar olhares com o observador, pois a maior parte dos representados não revela sua identidade, estando posicionados de costas. Acompanhados de seus poucos pertences embalados de forma simples, passam a fazer parte da paisagem deste microcosmo, no qual estão imersos. Rosilene Luduvico tem sua sensibilidade aguçada pelas metrópoles cosmopolitas que percorreu nos últimos anos, como Nova York, Tóquio e Londres, entre outras – fixando seu olhar não no contexto monumental, mas no refugo destas cidades e culturas potentes. Aí descobriu seus valiosos protagonistas. A escolha do pequeno formato das telas para esta representação é uma decisão muito consciente. Esteticamente, o pequeno formato das telas tendo a purpurina como material de fundo, cria em si uma visualidade típica de algo valioso a ser preservado em pequenas porções. Este cenário é ocupado pela modesta representação de indivíduos isolados, desolados, à beira da existência coletiva, ou seja, à margem da sociedade.

Eles são apresentados em meio à natureza rochosa ou campestre, acompanhados somente pela lua, pelo sol, pelas nuvens ou por uma irrupção vulcânica, como se indicassem o passar do tempo.

Esta atitude foi imposta ou foi uma opção. A causa nos é obscura, resta-nos especulações diversas. Pode-se dizer que um mito é criado, o mito do desmembramento de certos seres da sociedade burguesa. Nela há preceitos claros a serem seguidos: “… na sociedade burguesa não há cultura proletária, não há moral proletária e também não há arte proletária: ideologicamente tudo o que não é burguês acaba por ceder diante da burguesia. A ideologia burguesa é capaz de suprir tudo. (…) Certamente há revoltas contra a ideologia burguesa. Elas são idênticas ao que se chama normalmente de Avantgarde. Mas estas revoltas vistas pela sociedade são indiscutivelmente limitadas podendo vir a ser reincorporadas nos preceitos sociais usuais” . Deste ponto de vista, na sociedade contemporânea há fenômenos e tentativas isoladas de sobrevivência, à margem das imposições. Por outro lado, à margem das grandes metrópoles, o isolamento social vivido por elementos particulares não decorre, provavelmente, de uma consciente atitude espontânea e sim como causa de um desmembramento social involuntário, imposto pelo sistema, longe de qualquer atitude heróica ou romântica. Estes fatores, porém, não fazem parte do relato de Rosilene Luduvico, que de forma purista foca seu olhar, atitude e devoção a momentos isolados de solidão. Solidão esta considerada como um momento enriquecedor e de ordem construtiva, não precisando necessariamente de consolo. 

A mostra “Lugar sem nome” trouxe a Rosilene a possibilidade de voltar a produzir no Brasil e para o público brasileiro. Este desejo estava latente por muitos anos na artista, tanto que este desafio lhe é muito bem vindo, pois acompanhado de grande expectativa por ela mesma, pelo público brasileiro e especialmente pelo público de Vitória, cidade onde iniciou sua carreira artística. 

De volta ao seu habitat natural e com um atelier provisório em seu local de nascimento e infância, Rosilene Luduvico se dedica à execução de representações da paisagem, compostas da fauna e flora acompanhadas de poucos testemunhos deste contexto, deixando que a natureza, ora utópica, ora real, predomine. As obras são concebidas para um galpão monumental, possibilitando tanto a visualização individual de cada obra, assim como o diálogo entre as obras do contexto geral. 

Surpreendentemente, as pinturas de Rosilene Luduvico nos revelam em especial nos grandes formatos, uma leveza incomum, como se as diversas camadas de pigmentos aplicadas sobre as telas estivessem como que a flutuar e não fixadas no suporte artístico. A técnica desenvolvida pela artista faz uma alusão à aquarela, apesar de ser executada com o uso de tinta a óleo. A sutileza e transparência provenientes da sobreposição das cores pastéis, dos motivos representados e do gesto artístico passam a ser pulverizados por todo o local da exposição. A diversidade entre motivos noturnos, diurnos, paisagens e a presença esparsa da figuração humana dominam a produção atual. Todos estes elementos são extraídos da vivência cotidiana da artista focando cenas triviais que, em seu conjunto, representam sua vida. Muitas vezes as idéias foram retiradas da imagem mental, porém este artifício é dispensável no caso das obras a serem expostas no Museu Vale do Rio Doce, pois serão produzidas “in loco”, no seu local de procedência e que estão presentes em sua obra de forma contínua, mesmo contabilizando anos de residência no exterior.

A exuberância da paisagem local é enfatizada pela biodiversidade única da região serrana do Espírito Santo . Rosilene homenageia e preserva este contexto em sua pintura e principalmente no político criado para esta mostra em uma composição frágil e delicada, características presentes em quase toda sua produção. A figura central é uma árvore desnuda, ou seja, os galhos da mesma como um esqueleto sustentando toda a composição. Este elemento fascina Rosilene não necessariamente por sua simbologia, mas sim pela sua presença marcante. Assim como os artistas viajantes europeus dos séculos passados, a exemplo do já citado holandês Frans Post ou ainda pesquisadores que percorreram o Brasil como o austríaco Carl Friedrich Philipp von Martius entre outros, Rosilene Luduvico é uma incansável observadora e reprodutora, em sua obra, da natureza do “Novo Mundo” .

A árvore desnuda, com poucos brotos, simbolizando o próprio renascimento, atua como suporte para uma quantidade imensa de pequenos pássaros esvoaçantes, de cores e formas distintas. A representação passa a ser tão real por transpor precisamente não somente as asas vibrantes, mas também o ar em movimento causado pela grande presença dos pequenos pássaros. Eles formam um grupo denso. Parte dos galhos permanece livres como tentáculos autônomos a se expandirem pelo espaço. O grande formato proporciona ainda à artista explorar o gesto marcante de sua obra tanto pela leveza do fundo com características abstratas quanto pela predisposição de seu traço incisivo e realista por uma ampla superfície. 

Esta paisagem solta em uma atmosfera nebulosa carrega em si um segredo imerso no que poderia ser um contexto idílico ou extraído de um sonho. A árvore solitária acaba por se transformar em um complemento dos ávidos pássaros. Rosilene insiste neste motivo e o transpõe para uma cena noturna: na escuridão da noite surge uma fresta de forma arredondada, a qual dá acesso novamente a uma paisagem desolada pela presença novamente de um galho semi-seco, acompanhado de alguns poucos pássaros adormecidos.

O motivo da carruagem levada por um grupo de pássaros e presente também no desenho exposto é retomada em uma pintura sobre tela, como que guiando sonhos e anseios secretos. Todo este contexto lúdico remete a um sonho sem fim…

Lugar sem dono

A mostra tem seu desfecho em uma sala contendo uma série de seis portraits. Todos os modelos são retratados dormindo. O local onde se encontram permanece uma incógnita – lugar sem nome, formado somente por fundos monocromáticos complementados por vestígios de mobílias, sobre as quais os modelos descansam. Aos protagonistas não é dado nenhum atributo a não ser um chapéu, o qual encobre ainda mais a identidade de uma das modelos, que o utiliza. Seriam estas pessoas extraídas das séries anteriores como os solitários à beira da sociedade ou imersos em uma paisagem beirando o real e o surreal? A beleza e delicadeza dos traços são tão sutis quanto a presença dos pássaros, sobrevoando ou pousados, em outras obras de Rosilene.

Os contornos e traços finos, profundos, que compõem os retratos, aludem à técnica da xilogravura, tão comum em países percorridos pela artista, como o Japão. Os cabelos soltos e densos dos modelos dão uma certa dramaticidade na composição. Apesar de serem curtos, eles já formaram um paralelo com os portraits femininos de Eduard Munch.

Distante da realidade, os modelos permanecem indiferentes ao contexto e imersos em um estado privilegiado, próximo do divino e do inconsciente. O sonho noturno faz referência ao descanso após um dia de trabalho, enquanto que o sono diurno, o devaneio, está mais próximo da intelectualidade, pelo trabalho da fantasia e da imaginação. O estado em si constrói um status de indiferença, que acaba protegendo o protagonista do meio circundante: eles passam a ser senhores somente de si mesmos e do momento.

Lugar da pintura

Rosilene Luduvico conquistou nos últimos anos uma linguagem própria não somente pela temática de sua obra, mas também pela pintura em si desenvolvendo uma técnica e linguagem específicas.

Sua pintura é voltada para si, suas inquietações, envolvimentos e demais indagações subjetivas e individualistas. Estas características, ou seja, a tendência para o individualismo e introspecção teve um grande impulso no século XIX, época em que foi concebido o direito à individualidade dentro do Código Civil, surgido na legislação após a Revolução Francesa, como resultado de um processo de desenvolvimento da tolerância social. Este reconhecimento se dá pelo fato de que o indivíduo carrega em si uma certa intimidade e individualidade. Ela é formada pelos “Olhos do Coração”, a forma como vê e sente a realidade. A relação com a estética passa também neste período por um momento de transição – surge o desprendimento da norma e idéia de que toda obra de arte deva ser a reprodução do belo e perfeito pleiteados por um ideal de beleza clássico. Já Hegel mencionou em suas aulas de estética na Universidade de Berlim em 1818 que o mesmo indivíduo pode apreciar os preceitos clássicos e ao mesmo tempo os não clássicos, ou seja, as obras românticas. Ele reconheceu que a produção artística de sua época possuía outro conteúdo psíquico e valores espirituais distintos do que a arte clássica pleiteava. As obras do novo período o sensibilizavam pelo poder de interpretação, liberdade da fantasia diante do conteúdo e das regras como nunca visto anteriormente. Hegel via também que a idolatria diante da figura do artista passava para um patamar mais humano. Ele passou a ver a obra de arte como um produto de uma pessoa para outra pessoa, longe de mistificações e idolatrias quanto à imagem do artista. Ou seja, a idéia da obra de arte é proveniente do ser humano e de sua experiência. A proveniência da obra, sua concepção passa a ser tão importante quanto à sua função, ou seja sua inserção na sociedade através de seu efeito e diálogo que há de criar: “Das Kunstwerk (ist) nicht für sich, sondern für uns (da), für ein Publikum, welches das Kunstwerk anschaut und genießt. Die Schauspieler zum Beispiel bei der Aufführung eines Dramas sprechen nicht untereinander, sondern mit uns, und nach beiden Seiten sollen sie verständlich sein. Und so ist jedes Kunstwerk ein Zwiegespräch mit jedem, welcher davorsteht“ .

A obra de Rosilene Luduvico exala contemporaneidade mesmo mantendo seus tentáculos na pintura romântica do século XIX. Ela vive sua época, da mesma forma como os artistas Casper David Friedrich e EugéneDelacroix entre outros, testemunhos de seu tempo e conscientes da história da arte de sua época – a qual já consistia na coalizão de diversos períodos. As paisagens nebulosas, fantásticas e solitárias de Rosilene Luduvico revelam em si características do romantismo por permitirem ao espectador vivenciar uma atmosfera introspectiva, na qual as pessoas, a paisagem e demais elementos são apresentadas em sintonia e em introspecção. Muitas de suas pinturas me fazem lembrar obras impactantes e repletas de tendências metafísicas de Casper David Friedrich a citar “Der Wanderer über dem Nebelmeer” (O andarilho sobre o mar nebuloso) de aproximadamente 1818. O uso de cores frias e sombrias exala uma intensa luminosidade, ofuscando assim detalhes da paisagem enfatizando no contexto geral uma grande melancolia e isolamento. Muitos dos protagonistas por ele representados aparecem só e imersos na paisagem desolada. Alguns deles remetem ao próprio artista como na obra “Der Wanderer über dem Nebelmeer” ao apreciar a paisagem e assim perceber a impotência do ser humano diante da grandeza da natureza em si. Nesta pintura o artista está de costas convidando assim as pessoas a visualizarem o mundo através de seu próprio “ponto de vista” e idéia reforçando assim a tendência à introspecção típica do romantismo. Casper David Friedrich buscava o isolamento, pois acreditava que a “auto-expressão” artística pode ser somente autêntica se o artista se isolar da sociedade e dos preceitos comerciais. A natureza é então para ele o refúgio ideal. Rosilene finaliza as obras a serem apresentadas no Museu Vale do Rio Doce também imersa na paisagem original de sua procedência buscando a essência de suas obras em si mesma e em seu habitat natural.

Outro pintor representante do romantismo e que me vem à mente ao analisar a obra de Rosilene Luduvico é Carl Blechen (1798-1840) . Apesar de ser pouco conhecido fora da Alemanha produziu obras de grande caráter romântico. O seu problema foi ter nascido tarde demais para ser considerado um dos pioneiros do romantismo. Além disto, tinha uma vida típica do romantismo extremamente bucólica e acompanhada de excessos como alcoolismo e boemia, o que lhe causou também uma existência curta. No início de sua carreira ficou ainda à sombra da obra de Casper David Friedrich. Gostaria de citar aqui mais especificamente suas duas pinturas “Das Innere des Palmenhauses” (O interior da casa das palmeiras) . Nelas o artista representa uma coleção de palmeiras que o rei Friedrich Wilhelm III adquiriu na França. Karl Blechen realizou não somente uma reprodução fiel do espaço em si, mas transpõe em sua obra a sensação e sugestão precisa da atmosfera tropical: a temperatura, a umidade e o cheiro típico, sem ter vivenciado este contexto originalmente. Esta tentativa bem sucedida do artista me traz à mente a descrição da experiência vivenciada por Rosilene Luduvico ao chegar na cidade do Recife no nordeste brasileiro em 2006, onde permaneceria por seis meses a investigar a paisagem e contexto reproduzidos por Franz Post no século XVII. Devido à vastidão do território brasileiro, a estadia de Rosilene na região do nordeste do País também lhe trouxe experiências inusitadas e distintas do habitual contexto de sua procedência no sudeste do País.A artista pôde executar sua obra “in loco” distintamente de artistas como Carl Blechen, os quais tinham como recurso somente sua imaginação. Contudo o público destinado a apreciar as imagens dos trópicos criadas tanto por Carl Blechen, Franz Post ou mesmo Rosilene Luduvico permaneceu o mesmo – os alemães. Eis aí um desafio a mais para os artistas em questão: saciar o saudosismo tropical perseverante a tantos séculos. Tarefa bem executada, pois o resultado é composto de obras autônomas distantes dos clichês usuais.

Além disto, a pintura continua sendo há séculos um dos gêneros mais presentes na arte contemporânea alemã, contexto eleito por Rosilene Luduvico para desenvolver sua carreira artística. Este fato é visível na recém inaugurada exposição celebrando 60 anos da criação da República Federal Alemã – Sechzige Jahre. Sechzig Werke. Kunst aus der Bundesrepublik Deutschland von ’49 bis ’09 (Sessenta anos. Sesstenta obras. Arte da República Federal Alemã de 1949 a 2009) – composta em sua maioria de pinturas retratando a evolução política e social do país através de obras de artistas como Georg Baselitz, Anselm Kiefer, Martin Kippenberger, Wolfgang Mattheur, Ruprecht Geiger, Jonathan Meese e Neo Rauch entre outros. Constantemente a pintura alemã é vista e revista como ocorreu com a mostra “Deutsche Malerei zweitausenddrei” (Pintura alemã dois mil e três), também com obras de 60 artistas todos eles pintores enfatizando uma versão pictórica da realidade alemã. 
Nesta mesma época Rosilene encerra sua formação acadêmica e participa da mostra “Die Neue Düsseldorfer Malerschlule” ( A Nova Escola de Pintura de Düsseldorf). Sua obra passa a fazer parte do contexto de pintura alemã e internacional de maneira mais incisiva e com um grande frescor, como o propagado pelas diversas mostras citadas acima, as quais estavam focadas principalmente na pintura. 

A recém editada publicação “Die Neue Deutsche Malerei” (A Nova Pintura Alemã) elabora um discurso voltado para a produção da pintura atual alemã levando em consideração que esta seja imensamente manipulada por imagens baseadas supostamente na realidade. Elas porém são provenientes das nova mídias, cinema, outdoors, fotografia, vídeo ultrapassando as fronteiras entre realidade e ficção alterando assim o discernimento das informações obtidas. Esta avalanche impede a percepção da paisagem, som, local e tempo entre outros criando contextos deturpados. O crítico de arte e autor desta publicação Christoph Tannert, sugere então o desaceleramento deste processo para o retorno a uma percepção mais autêntica. Eu diria que esta tentativa está sendo efetuada a exemplo da experiência vivenciada por Rosilene Luduvico na efetivação das obras que compõem a mostra “Lugar sem Nome”, o que é em si sua forma usual de atuação introspectiva.

Como já citado anteriormente Rosilene Luduvico reúne em sua obra características românticas e contemporâneas em plena harmonia. Sua linguagem é internacional e não necessariamente com embasamento exclusivamente na Europa onde vive ou na América Latina de onde vêm. Aliás, uma das características mais marcantes da arte contemporânea latino-americana é a aproximação e diálogo com tendências internacionais. Posso aqui, por exemplo, visualizar em termos de contemporaneidade um intenso diálogo entre obras de Rosilene Luduvico e Peter Doig, o qual abandonou a vida em Londres em busca de inspiração nas montanhas em Trinidad. Suas pinturas atuais também são repletas de características românticas com indivíduos isolados imersos na paisagem e posicionados de costas para o observador. 

Lugar próprio

Sem dúvida Rosilene Luduvico chegou ao seu lugar próprio. Lugar sem nome, Lugar de origem, Lugar decisivo, Lugar espacial, Lugar sem dono. Distante da ilustração, distante do realismo, distante do modismo – seu foco recai no ser humano introspectivo e em seu habitat.

“Mas aconteceu que o pequeno príncipe, tendo andado muito tempo pelas areias, pelas rochas e pela neve, descobriu, enfim, uma estrada. E as estradas vão todas em direção aos homens” .

Tereza de Arruda, curadora
Berlim abril/maio 2009

Publicação

Pinceladas poéticas de Rosilene Luduvico no Museu Vale

Primeira exposição individual da artista no Brasil revela a força de sua técnica no mundo misterioso de seus traços e na leveza de suas pinturas

Figuras femininas mergulhadas em sono sereno, como a desvendar seus próprios mundos ocultos; “paisagens bailarinas”, que dançam ao sabor dos ventos em elegantes e misteriosas performances. Tons pastéis, traços refinados. Delicadeza, expressão e força. É a obra de Rosilene Luduvico, brasileira (40 anos) nascida no Espírito Santo, que fez carreira na Alemanha e prepara-se para sua primeira exposição no Brasil, Lugar Sem Nome, no Museu Vale – ES, de 27 de junho a 6 de setembro.

Rosilene revela que está muito emocionada com o fato de realizar a sua primeira grande exposição no Brasil, especialmente no Museu Vale. – Sou capixaba e não poderia ter uma estréia mais significativa do que essa. Sobretudo porque as obras de grandes dimensões que farão parte da mostra estão sendo produzidas aqui, no cenário paradisíaco das montanhas do Espírito Santo, exatamente no lugar onde nasci e vivi até aos 14 anos de idade. É uma volta às raízes, um retorno às memórias da infância e aos afetos. Observo a luz da lua, os mistérios da mata, o canto da floresta, o brilho das estrelas. Inspiro-me e realizo – diz a artista.

Lugar Sem Nome apresentará trabalhos inéditos, todos de 2009 – a grande obra terá 610 x 210 cm. Pinturas de grandes dimensões, dez pinturas menores, seis desenhos e seis retratos, (realizados em Düsseldorf, exclusivamente para a exposição), um afresco em uma das paredes do grande galpão e uma instalação que Rosilene fará especialmente para a Galeria 1 do museu (“uma obra lúdica”, confidencia a artista), comporão a mostra. A curadoria está a cargo de Tereza de Arruda, brasileira radicada em Berlim desde 1989, que se dedica ao projeto dessa exposição há dois anos. A produção é da Artviva Produção Cultural.

A obra

A obra de Rosilene Luduvico tem uma linguagem própria. Sutilezas são resguardadas e se tornam o ponto de partida de seus trabalhos. Suas pinturas se parecem com aquarela, resultado de uma técnica desenvolvida pela própria artista, uma espécie de filtro visual que cria uma leve película na superfície das telas ou papéis. Nas paisagens, por exemplo, este filtro dá leveza à obra, deixando-as ainda mais suaves e delicadas. Outra característica da artista é a sobreposição do pigmento utilizado nas tintas de cores claras em inúmeras camadas sobre a tela.

As paisagens, quase homogêneas, são quebradas parcialmente por grafismos criados pela vegetação escassa de galhos de árvores ou por folhas soltas como a demarcar o solo. Protagonistas discretos surgem isoladamente como “flaneurs” e seus pequenos formatos revelam a imensidão do ambiente concebido pela artista. Nos retratos, Rosilene capta a alma de figuras femininas adormecidas – amigas da artista – sem interromper-lhes o sono, retratando-as com absoluta naturalidade. 

Para Rosilene, sua obra é parte concreta da realidade. Tanto que chega a desprender a pintura dos suportes convencionais para que ela venha a invadir locais inusitados e temporários, assumindo uma postura própria: a pintura se desprende da tela e se expande pela parede se incorporando à obra arquitetônica. Em Lugar Sem Nome, a Galeria 1 do museu abrigará uma instalação espacial composta de pigmentos de purpurina. Um trabalho efêmero de “site specific”.

A artista

Rosilene Luduvico mora na Alemanha há 15 anos. Fez mestrado na Academia de Arte de Düsseldorf e suas obras já foram expostas em museus e galerias no Japão, Inglaterra e Estados Unidos. Este ano, após a mostra do Museu Vale, a artista fará duas outras exposições: Chicago Cultural Center (EUA) e Galeria Zink (Munique, Alemanha). Ela nasceu em Domingos Martins e iniciou sua formação artística na Universidade Federal do Espírito Santo.

A curadora

Tereza de Arruda é formada em história da arte em Berlim, onde vive desde 1989. No Brasil, entre os trabalhos mais recentes, constam: China: Construção/Desconstrução – Arte Contemporânea Chinesa, no MASP (11/2008-02/2009), Clemens Krauss – Aufwand/Display and Takafumi Hara – Signs of Memory, Mostra SESC SP (10/2008), no MAM RJ (Outubro-Dezembro 2008), Clemens Krauss – Aufwand/Display no MAM Rio de Janeiro, entre junho e Agosto 2008. 
O Museu Vale 
Inaugurado em 15 de outubro de 1998, já recebeu mais de um milhão de visitantes e sediou 30 importantes exposições, entre as quais, “Babel”, de Cildo Meireles (2006), com itinerância na Estação Pinacoteca do Estado de São Paulo, premiada com o Troféu da Associação Paulista de Críticos de Arte, como a melhor exposição do ano. 

Entre as exposições realizadas com artistas capixabas, destacam-se: Desiderata (2002), O Sal da Terra (2003), Passagens e Itinerários da Arte (2005), Seu Sami (2008) – itinerâncias no MAM RJ, Palácio das Artes (BH) e Sesc Pompéia (SP) – e 1 + 7 (2009). Através do Programa Educativo, o Museu Vale capacita jovens aprendizes em ofícios relativos à montagem e desmontagem das exposições. 

Lugar Sem Nome
Museu Vale
Antiga Estação Pedro Nolasco s/n – Argolas
Vila Velha – ES – Brasil – CEP 29114-920
Tel: 55 27 3333.2484
www.museuvale.com
De terça a domingo, das 10h às 18h
Sexta: das 12h às 20h 
Período: de 27 de junho a 6 de setembro